domingo, abril 25

Hasta pronto en Madrid





Departamento de recordações

Espero que todos os que me lêem aqui tenham recebido o email "pareceimposibleperosucedio" ("parece impossível mas aconteceu"). Se porventura não o recebeu, mande-me uma mensagem com o seu endereço de email e eu o enviarei.

-o-

Ontem fiz uma apresentação a um político legítimo de esquerda, dos poucos que sobraram e que não foram cooptados pela corrupção, sobre os resultados de uma pesquisa ele que nos encomendou.

Coincidência ter recebido hoje aquele arquivo reenviado pelo Eça sobre os campos extermínio do Generalíssimo Franco. Vem muito a propósito: falamos (nós os pesquisadores) em Bonapartismo, mas todos os presentes, pesquisadores e platéia, tínhamos em mente o risco presente do fascismo.

Estamos com medo da unanimidade, do populismo, das alianças entre banqueiros e sindicalistas. Nada de mau que seja intrínseco a isso, mas, não sei, sei lá... os precedentes históricos não são bons.

O email do Luiz Eça me lembrou 1964, quando voltei da Europa, após um estágio promovido pela Lever. Havia deixado um Brasil democrático, agitado, cheio de esperanças, com fé no futuro.

Voltei pouco depois do golpe militar e dei pela falta de amigos que haviam sumido, a gente escondendo livros de sociologia em baixo da caixa dágua no forro da casa, com medo da visita dos agentes da Lei e da Ordem. Contavam que um professor da USP fora levado ao DOPS para interrogatório como suspeito de subversão,  porque agentes policias descobriram na sua casa um livro intitulado "A Revolução do Átomo".

Eu era amigo dos Serrano, pai e filho, produtores de comerciais para TV e Cinema. Infelizmente, perdi contato com eles desde aquela época. Onde estão vocês, amigos?

Espanhóis republicanos no exílio, o pai era o cônsul (oficial) da República Espanhola no Brasil. O Parlamento da República tinha reuniões simbólicas em Montevidéo. O Presidente da República estava exilado no México. E assim o Governo Espanhol, até hoje o único legítimo, eleito democraticamente, mantinha-se íntegro em sua dignidade, ainda que no exílio, sem solução de continuidade.

Fui convidado oficialmente para uma comemoração da Fundação da República, num restaurante espanhol em São Paulo. Era uma ocasião formal e lá estavam todos os exilados, políticos republicanos, comunistas, anarquistas, democratas, liberais, imigrantes, unidos no exílio.

Nos encontros aqui no Brasil, Uruguai ou onde quer que fosse, em vez de dizerem "Até logo", diziam: "Hasta pronto en Madrid".

No meio do evento, após os discursos formais das principais autoridades, o cônsul anunciou:

"E agora vamos ouvir o nosso amigo e companheiro Pergentino Mendes de Almeida, que vai falar em nome dos brasileiros democratas".

Fui apanhado de surpresa. Eu era o único brasileiro presente. Ninguém mais se dispusera a participar da festa democrática em pelo 1964.

Mas eu não havia preparado nada para falar. Entretanto, embalado pelo entusiasmo reinante (todos "sabiam" que a verdade sempre haverá de prevalecer, que portanto ao final eles "no pasarán" e que estaremos de volta à Fraternidade, à Solidariedade e à Liberdade em Madrid, para sempre sempre a capital real da República Espanhola, republicana e socialista), eu improvisei uma alocução tão entusiasta quanto o meu estado de espírito na ocasião.

Disse que vocês, espanhóis exilados, são um exemplo de idealismo, de não-conformismo, de luta pela Liberdade e pelos direitos fundamentais de exercê-los. Que são uma exemplo vivo, uma demonstração para nós, brasileiros, de que não é necessária a submissão passiva à repressão da opinião pessoal imposta por ditaduras (isso foi antes do AI-5).

Que pelo menos o nosso senso de justiça social permaneça. Que à mordaça na boca não pode corresponder a do pensamento.

Que a dignidade humana deve ser sempre ser preservada, apesar de tudo e de todos, como vocês, agora reunidos em nome do único Estado espanhol legítimo e legal, eleito democraticamente, estão demonstrando.

Então, que viva México! (aplausos: México era único país que ainda não reconhecia a monarquia espanhola e a ditadura franquista).

Arrematei afirmando:

"Vocês são um rico exemplo e modelo para nós, brasileiros. A República Espanhola vive também em nossos corações e aponta o caminho para nós. A Madrid da República e da Liberdade é também o nosso Futuro. Irmãos, 'hasta la vista en Madrid'".

E foi um fracasso. Palmas, sim, mas apenas protocolares. Todos se entre olhavam, hesitantes. Todos tinham medo. Não mais de Franco, mas agora dos nossos militares, que podiam prender a mim (por aquela fala) ou deportar a todos os demais e suas famílias - um risco muito presente e concreto para cada um deles.

De lá para cá, as coisas só pioraram. Veio o AI-5, implantou-se uma pasteurização de opiniões e uma anestesia de ideais, chegou a Unanimidade e o Conformismo, juntamente com o orgulho de possuir o último modelo de celular, parcelado em 24 meses.

É o pior de 1984 combinado com um Admirável Mundo Novo.

As circunstâncias são outras, espero que as tragédias européiss do século passado tenham ficado soterradas pelo tempo, pela distância e pelas diferenças culturais e que o Brasil esteja definitivamente a salvo desses perigos. Mas quais outros, semelhantes, sob outras máscaras, podem nos aguardar, se estivermos anestesiados?

Não ameaço com campos de extermínio, perseguição a judeus e outras iniciativas ultrapassadas. Mas hoje existe extermínio no Sudão e na Palestina. Outro dia eu vi na TV o General Leônidas Pires afirmar que, sob sua jurisdição, nunca houve tortura no Brasil, embora reconheça que "guerra é guerra" e os dois lados habitualmente cometem excessos, o que lhe parece natural.

abril 2009


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