Entre as atrações do Parque da Água Branca, existe (ou existia) um bosque fechado, pequena amostra do que restou da Mata Atlântica em pleno centro de São Paulo. Completo, com pássaros e macacos que ali vivem.
Li em algum lugar que a nova Primeira Dama, esposa do atual substituto do Governador do Estado, decidira fazer valer seusranca: dotes de moça prendada e boa família, assumindo a liderança de uma reforma e modernização do Parque, assim marcando sua presença na História.
Algum tempo depois fui fazer minha caminhada no Parque e eis que me deparo com um espaço devastado, onde antes havia o bosque. Terra arrasada.
Bom, quem sabe “eles” (?) têm planos melhores para o Parque, algo melhor do que um bosque natural de vegetação fechada e fresca como a Natureza criou?
Agora começa a transparecer que têm.
Veredas estreitas de pedriscos, cortadas em ziguezagues, por onde não passa mais de uma pessoa, delimitadas por tijolinhos ou algo parecido para ninguém sair da linha.
Veredas no meio de um descampado de chão de terra nua, onde, parece, vão plantar grama e talvez algum outro vegetal decorativo. Ficará tudo uniforme, parecido com os melancólicos canteiros de fachada dos prédios de alto padrão do entorno no bairro.
Um verdinho aqui, uma violeta acolá, e nada para atrapalhar a visão, agora aberta para todos os ângulos de observação, dos paredões de janelas uniformes de concreto que circundam o Parque.
O Parque passará a fazer parte do bairro renovado e estará integrado na modernidade e na civilização, na paisagem domesticada do concreto e da especulação, harmoniosamente degradado como a cidade.
Mas, por enquanto, veredas inúteis no meio de um galinheiro de terra desnuda, todas elas absurdas abstrações pelas quais passeiam as galinhas e pombos que ignoram os caminhos predeterminados das veredas.
E as veredas têm nome, nomes sugestivos, domesticados. Em vez das árvores naturais que ali criaram raízes há décadas, talvez mais tempo, mudas, uma aqui, outra acolá, com placas indicando mudas de quê.
Em vez de um bosque natural da Mata Atlântica, um simulacro de museu desinfetado e bem varrido.
Entrevistei um dos guardas no Parque a respeito dessas mudanças.
Entre parêntesis, o Parque é relativamente seguro, frequentado por famílias, crianças, praticantes de esportes, funcionários da Secretaria da Agricultura, do DIEESE, do Aquário, das associações de haras e criadores, e tem policiamento próprio com profissionais da Força Pública.
Perguntei ao guarda o que ele achava daquela devastação. Ele de me disse que agora sim, agora vai ficar tudo melhor, a segurança vai aumentar, porque – disse ele, indicando o descampado por onde se vislumbram os prédios do outro lado do parque, do outro lado da avenida – agora fica tudo à vista e “nós” podemos enxergar marginais se escondendo entre as árvores, principalmente os casaizinhos que ficam ali escondidos à noite para ter relações sexuais, uma sem-vergonhice!
Pensei: pena que as galinhas desconheçam as regras mínimas da moral. Prova disso é a frequência com que andam com seus pintinhos para cima, para baixo.
Lembrei de que vi algumas vezes os policiais expulsando casais dos bancos espalhados pelo parque, porque um deles estava deitado, com a cabeça no colo do outro. Quequé isso, em lugar público? E os pombos, então?
Só não entendi bem porque a sem-vergonhice perturba tanto se ela é tão oculta que a gente não vê. Mas deve existir, ah, isso deve!
Lembrei que nunca vi um policial expulsar ou atender a algum marginal mambembe sem teto, ocupando um banco inteiro de quatro ou de seis pessoas, com seus cobertores, latas, panelas e outros pertences.
Lembrei da dificuldade de atender certa vez a um frequentador que teve uma crise epilética e ninguém sabia o que fazer com ele, nem o policial que passou rápido, fingindo que não via, para não se envolver.
Mas nada disso vem ao caso. Eu estou com as autoridades.
E mais: quero sugerir melhorias nos planos de modernização do Parque da Água Branca:
- proibir casais de andar de mãos dadas;
- proibir risadas provocativas e saias curtas e justas;
- cimentar tudo em volta, para evitar barro e outras porcarias da natureza;
- pintar tudo, até o chão, com cores mais chamativas e modernas do que aquelas antigas da concepção original dos edifícios internos do Parque;
- cimentar a arena onde galopam cavalos e onde fazem suas necessidades, para construir, bem no meio, uma fonte luminosa;
- indicar com maior clareza por onde devem caminhar os visitantes, para que saibam onde não devem permanecer e para facilitar sua saída para a rua, depois de uma volta pelo Parque;
- substituir a grama natural e as flores, cujas mudas estão preparando em alguns cantos, por grama sintética e flores de plásticos, muito mais bonitas e de cores mais firmes – que apresentam a vantagem adicional de requerer menos manutenção;
- dispensar os jardineiros e varredores;
- admitir mais guardas bem educados, respeitadores da Moral e da Religião;
- etc.
Como é diferente a cabeça paulista da carioca...
Ah, com que nostalgia eu lembro da antiga canção do Braguinha, sobre a Ilha de Paquetá (aquela, de antigamente...):
...e, quando chega a madrugada,
nas mais feiticeiras das manhãs,
agarradinhos, descuidados,
agarradinhos, descuidados,
inda dormem os namorados
sob um céu de flamboyant!
PMA set 2010
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