sábado, setembro 11

Morbidez da decência fundamentalista

 

Por falar em moralidade e pecado...


Lá nos idos dos anos 50 a esposa do Governador Lucas Nogueira Garcez tanto fez que levou o Governo a acabar com a Boca do Lixo, o triângulo constituído a partir das Rua Itaboca e Aimoré, no Bom Retiro.
Era um local especializado em prostituição aberta e reconhecida, cercada pela Polícia e por entidades de atendimento higiênico contra moléstias venéreas, que fazia lembrar a Reperbahn, de Hamburgo – uma das atrações mais interessantes do turismo mundial.
Mas havia uma diferença: a Boca do Lixo era local de classe baixa. O mixê era Cr$ 20,00. Na Rua Aurora, a chamada Boca do Luxo, o mixê era Cr$ 80,00. Na verdade, a Boca do Lixo era tipicamente um local para mulheres pobres, principalmente domésticas, empregadas ou não, completarem seus salários com uns biscates.
Donde, a indecência do lugar.
Fecha.
Mas eu nunca entendi qual era mesmo essa indecência. Só a via quem se dava ao trabalho de ir lá, o que pressupõe um interesse ativo de quem critica essa putada mestiça, pobre e negra. Um interesse que me parece mórbido, a não ser que você tenha ido lá de boa fé, para um programinha com uma delas.  
A prostituição barata, com o fechamento da Zona, espalhou-se por aqui e por acolá. Tomou conta da Avenida São João e depois da República do Líbano e depois... Ah, sei lá, mas anda por aí à vista.
Moralizou tudo. Moralizou?
Muitas prostitutas libertaram-se dos cafetões que as exploravam. Passaram a ser exploradas pelos policiais.
Imorais, anti-éticos... os cafetões, os policiais. De todos, as personagens mais decentes parecem ser as putas.

Logo abaixo neste blog comento a limpeza do bosque do Parque da Água Branca. Um atentado ambiental com certas colorações moralizadoras. Para quem não tem dinheiro para o motel, a gente vai atrás, olha atrás de cada moita, flagra e prende. Ou corta toda a vegetação.

Essa gente tão ciosa da Moral e dos Bons Costumes, essa gente toda assiste as novelas da televisão? Ninguém fala nada a respeito? Incesto, estupro, infidelidade, traições, palavrões... tudo isso, que é o cotidiano das novelas, o quê é, faz parte do nosso dia a dia, é parte da educação dos nossos filhos?
E o noticiário sobre violência, roubo, assaltos, impunidades, corrupção, suborno de autoridades, o Presidente dizendo que as coisas são assim mesmo porque são, abuso de menores e de maiores, e... chega, chega!
Na madrugada, alguns canais de TV fechada passam filmes “Adultos”, ou de sacanagem, como se dizia antigamente. Como se dá que eles podem programar reprises desses filmes nos horários da tarde, de acordo com as conveniências da sua rede de programação – e ninguém acha estranho?
Somos todos contra a censura, mas então por quê não ter horário de filmes pornôs nas escolas primárias para orientação dos nossos filhos?

Quando eu era adolescente cheguei a frequentar a Zona aqui e em Santos, no cais do porto. Em nenhuma delas eu vi cenas como as que hoje se passam na TV, em qualquer horário, sob as vistas de pais, mães, religiosos, ateus, crianças e tudo o que compõe a nossa média populacional. Tudo muito natural.
A nossa moderna sociedade está podre em seus alicerces, não tem mais bases e é vergonhoso para uma pessoa manifestar princípios e opiniões éticas.
Essa irresponsabilidade indecente esconde falta de princípios e medo de dizer claramente: isto é certo, aquilo é errado – embora reconhecendo que qualquer um pode tomar o caminho errado, pode escolher o que é moralmente ruim. E ainda assim ter a sua decisão respeitada. Mas roubar é condenável, mentir é condenável, matar é condenável, só para dar alguns exemplos. Em quantas novelas o impasse do enredo se resolve por um assassinato ou por uma mentira, ou por qualquer outro expediente condenável, como se todos eles fossem igualmente lícitos, desde que eficazes.
Na verdade, a mim me parece que a permissividade atual, assim como o moralismo tradicional e repressivo, são ambos faces de uma só moeda, a da fixação mórbida no controle genital e anal.
Sou a favor da pornografia e da prostituição por uma questão de princípio, mas é preciso dizer com o apóstolo Paulo: fornicar não é como comer. A gula pode ser condenável, mas o que você come sai depois como fezes e aí acaba. Já o sexo, além da possibilidade de gerar filhos pelos quais você é responsável (quer queira, quer não), envolve os corpos de duas ou mais pessoas e os afetos a ele associados, que você não pode evacuar simplesmente. Depois do orgasmo, fica algo. Você está pronto para carregar esse algo, o que quer seja?

Por quê a viúva que fornicou no Irã deveria ser apedrejada? Quem se preocupa tanto com o que ela faz com suas partes íntimas, se não for alguém que vai lá fuçar, descobrir, olhar, futricar, traindo assim um interesse completamente doentio pelo assunto?
Em que medida a ablação do hímem pode proteger a decência das mulheres e do casamento,    como dizem certas correntes mussulmanas da África?
Por quê eu, ou alguém de bom senso, devo acreditar na virgindade de Maria, mãe de Jesus? Digam-me, em que medida o estado do hímem de Maria pode afetar o reconhecimento do que quer que seja que Jesus tenha sido e representado para a humanidade? E em que medida a virgindade dela acresce ao seu mérito como ser humano? Se ela não foi virgem a vida toda e se Jesus teve irmãos, como dizem os Evangelhos, isso invalida a sua mensagem e a essência do Cristianismo?
Sou a favor das prostitutas, o lado mais decente de nossa cultura indecente. Como Jesus, que sempre se deu tão bem com Maria Madalena e nunca a condenou pelo que quer que ela tenha cometido como pecado.
Hoje, com a pílula... bem, o assunto pode parar aqui, que vocês já entenderam o que quero dizer.


PMA set 2010

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