terça-feira, outubro 26

"Facilitação quantitativa" por L.C. Bresser-Pereira

(Folha de S.Paulo, 24.10.10)
Inundar o mercado de liquidez, como tem feito o governo americano, ajuda a diminuir a dívida pública.
Os países ricos estão enfrentando sérias dificuldades depois do crash financeiro que afetou a economia de todo o mundo em 2008.De fato, eles vivem uma recessão de longo prazo, na qual altas taxas de desemprego e baixas taxas de crescimento prevalecem, e o risco de deflação é alto.
Por outro lado, sentem-se com suas mãos atadas, pois adotaram uma política fiscal altamente expansiva em seguida à crise -o que resultou em taxas elevadíssimas de endividamento público.
Por isso, diversos grandes países europeus, como a Alemanha e o Reino Unido, estão envolvidos voluntariamente em um violento processo de ajuste fiscal. Os EUA hesitam. Ao decidirem por essa via, esses países apenas aprofundarão a recessão em que se encontram.
Existe, entretanto, uma saída. 
É o "quantitative easing" que o Federal Reserve Bank já adotou no auge da crise, e que agora seu presidente, Ben Bernanke, se dispõe novamente a adotar.
Mas só será realmente uma solução se os dirigentes econômicos desses países levarem às últimas consequências essa política. O "quantitative easing" -a facilitação quantitativa- é um eufemismo fascinante para a velha e condenada impressão de moeda pelos governos.
O objetivo declarado é aumentar a liquidez do sistema econômico. O método é o Fed comprar no mercado títulos do Tesouro americano.
Com esta estratégia, o mercado é inundado de liquidez, e, graças a isso, a economia talvez reaja, na medida em que investidores e consumidores se animem e os bancos logrem financiar investimentos e consumo ao invés de serem obrigados a esterilizar os recursos em seus cofres.
Existe, entretanto, uma possibilidade ou um objetivo que ninguém gosta de discutir, mas que é muito importante. Se o Banco Central compra títulos do Tesouro no Banco Central, a dívida pública diminui. Esta compra equivale ao pagamento de parte da dívida. Da dívida líquida: a dívida do Tesouro menos o valor dos seus títulos comprados pelo Banco Central.
Em compensação, poder-se-á argumentar, a dívida do Banco Central aumenta. Mas que dívida? Só se considerarmos dívida a quantidade de moeda em poder do público.
Na verdade, o "quantitative easing" tem e deve ter um segundo objetivo: diminuir a dívida pública e, assim, abrir espaço para que os governos possam voltar a fazer política fiscal expansiva e superar definitivamente a crise.
Mas isto não causa inflação? O Fed não está preocupado. O perigo, hoje, não é de inflação mas de deflação.
Os preços de muitos setores econômicos estão caindo nos EUA -o que é muito preocupante. O que não está clara ainda é a redução da dívida pública.
Mas esta não é uma heterodoxia inaceitável para pessoas bem-pensantes? Pode ser, mas não há populismo envolvido no processo.
Não foi graças aos bem-pensantes que o mundo até hoje progrediu, e sim graças àqueles que tiveram a coragem e a firmeza de enfrentar problemas novos e grandes com determinação.
O bom-senso nos diz que devemos manter nossas contas em ordem. Mas a verdadeira ordem nos momentos de crise é tão simples quanto os bem-pensantes creem

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas
Globalization and Competition (Cambridge UP)
Globalização e Competição (Campus/Elsevier)
Mondialisation et Competion (La Découverte)
www.bresserpereira.org.br

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