Frequentemente os artigos do Luiz Carlos Bresser-Pereira me entusiasmam. Este é um deles.
Venho manifestando há tempos meus temores de que estejamos nos afundando no que hoje chamam de "doença holandesa", mas que não passa do atolamento do País no atraso a que o colonialismo ibérico e a cultura da cana de açúcar nos condenaram. E, no Nordeste, lá no fundão, a gente ainda vê o resto do passado, uma relíquia, como num museu, preservada para mostrar as nossas raízes históricas de miséria e exploração escrava.
O passado. Ou seria uma demonstração do quê pode ser o futuro?
Essa é a minha inquietação com a política econômica adotada até hoje pelos governos brasileiros e, sob o Lula, rotulada de "progressista", "distributiva" ou "esquerdista". Não passa do que há de mais sujo, atrasado, retrógrado, tradicional e colonial da nossa tradição.
Pura direita, se tivermos de colar rótulos. É a esquerda preferida pelos grandes centros do Capitalismo financeiro mundial. É "o cara" do Obama.
Depois da ditadura militar retrógrada e antidemocrática, a bagunça e corrupção do Governo Sarney, o aventurismo corrupto do Collor e a continuidade da globalização do nosso potencial econômico desde o FHC até hoje, sob o Lula e Meirelles. Duas exceções a esse continuísmo retrógrado: a vitória sobre a inflação, sem choques mágicos devstadores com Plano Real, e o oportunismo da Bolsa Família, que ainda não sei veio para o bem ou para o mal, a longo prazo.
Entretanto, melhor do que eu, e mais ponderada, e portanto mais confiável, deixemos a palavra do Bresser manifestar-se:
Brasil vive desindustrialização
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S.Paulo, 29.8.2010
Mesmo com economistas negando, fatia da indústria no PIB nacional é bem menor do que há 25 anos
No final dos anos 1940, a indústria representava 20% do PIB brasileiro, em 1985 chegou a 36%, em 2008 havia baixado para 16%! Não obstante, ainda existem economistas que negam que o país venha sofrendo desindustrialização.
Argumentam que a desindustrialização não seria apenas brasileira, mas de todos os países. Com o desenvolvimento econômico, a participação dos serviços sofisticados aumenta, e, em consequência, a participação da indústria de transformação cai.
Em 1970, a participação da indústria no PIB mundial era de 25%, em 2007 havia caído para 17%. Mas isto acontece aos países ricos que, a partir de certo ponto, passam a deslocar sua mão de obra da indústria para setores de serviços com valor adicionado per capita maior. Não é o caso do Brasil. Nossa desindustrialização é para produzir mais commodities.
O Brasil está se desindustrializando desde 1992. Foi em dezembro do ano anterior, no quadro de acordo com o FMI, que o Brasil fez a abertura financeira e, assim, perdeu a possibilidade de neutralizar a tendência estrutural à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio.
Em consequência, a moeda nacional se apreciou, as oportunidades de investimentos lucrativos voltados para a exportação diminuíram, a poupança caiu, o mercado interno foi inundado por bens importados, e, assim, muitas empresas nacionais eficientes deixaram de crescer ou mesmo quebraram.
Estava desencadeada a desindustrialização prematura da economia brasileira.
Se a desindustrialização é evidente, por que economistas brasileiros insistem em procurar argumentos para negá-la?
Porque são ortodoxos, porque pensam de acordo com o Consenso de Washington, e, por isso, apoiam a política macroeconômica instaurada desde 1992.
Não obstante critiquem o deficit público (como também eu critico), propõem juros altos (para combater a inflação e atrair capitais), deficit altos em conta-corrente (para "crescer com poupança externa"), deficit público compatível com o deficit em conta-corrente, e câmbio apreciado.
Em outras palavras, em nome da ortodoxia, defendem irresponsabilidade cambial, e, não obstante a retórica, a irresponsabilidade fiscal (considerada a hipótese dos deficits gêmeos). E condenam o país a taxas de poupança e investimento baixas.
Quando a ortodoxia percebe que a taxa resultante do mercado é sobreapreciada, defende-se afirmando que administrar a taxa de câmbio é "impossível".
Não é o que mostra a história. Para administrá-la é necessário (1) impor imposto na exportação de bens que dão origem à doença holandesa; (2) usar os recursos fiscais decorrentes para zerar o deficit público; (3) baixar a taxa de juros real para o nível internacional; e (4) estabelecer barreiras às entradas de capitais não desejados.
Neste quadro, a renda dos exportadores de bens primários será mantida porque o imposto poderá e deverá ser compensado centavo por centavo pela desvalorização.
O Brasil já praticou essa política no passado. Outros países a estão aplicando no presente.
Se a adotarmos, o Brasil poderá voltar a ter taxas de crescimento pelo menos duas vezes maiores do que aquelas que prevaleceram desde 1992.
Se a adotarmos, o Brasil poderá voltar a ter taxas de crescimento pelo menos duas vezes maiores do que aquelas que prevaleceram desde 1992.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas
Globalization and Competition (Cambridge UP)
Globalização e Competição (Campus/Elsevier)
Na minha opinião, o crescimento do setor de serviços (ultra-sofisticados) em detrimento da indústria nos países adiantados, mencionado pelo Bresser-Pereira, é decorrência da globalização do Capital, sem uma globalização paralela de mão-de-obra. Os ricos exportam o trabalho braçal menos lucrativo e se especializam administrá-lo a partir dos grandes centros financeiros.
Por enquanto, ficam todos felizes.
PMA set 2010 / Bresser Pereira, como publicado na FSP em agosto de 2010
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