segunda-feira, março 29

As Energias do Futuro e os Futuros do Pré-Sal (Parte IV): uma síntese



O que vimos até agora nas primeiras partes desta matéria?


Nas partes anteriores desta série sobre “As Energias do Futuro e os Futuros do Pré-Sal” tentamos fazer um apanhado muito geral do que sabemos a respeito, como pano de fundo para delinear as incertezas que temos de considerar a respeito desse tema.

A idéia desta série foi provocada por uma afirmação do Prof. Delfim Neto num programa do William Wack na GloboNews. Algo assim como: “quem vai definir os rumos do futuro são os Estados Unidos e nós só vamos ficar sabendo quando eles levantarem a cortina” para revelar o que estão pesquisando.

Entendo que essa afirmação do Prof. Delfim Neto foi uma provocação meio jocosa, embora séria, no final do programa. Implícita nessa frase fica a idéia de que os Estados Unidos, ou alguma entidade igualmente poderosa e global (qual?), estão preparando uma mudança importante que, quando pronta e revelada, terá de ser aceita por nós e por todos, como uma imposição do destino (e deles, é claro).

Ora, tais associações de idéias (imputem-nas a mim, e não ao Professor) me despertaram a curiosidade. O que está sendo feito, pesquisado ou preparado nos Estados Unidos e no resto do mundo, que o futuro nos reserva? O que acontece por trás da cortina?

Decidi pesquisar e, lá pelas tantas, dei-me conta de que eu estava aprofundando cada vez mais um tema que parece areia movediça, mais fundo do que o Pré-Sal.

Uma primeira conclusão minha é que a montagem de cenários futuros para o Brasil e o Pré-Sal tem de levar em conta as perspectivas e incertezas do petróleo, do efeito estufa e das possíveis energias do futuro – mas esses temas terão de ser tratados separadamente, pois o espaço aqui não permite desenvolver ambos num só fôlego.

Então, vamos por partes


Para as energias do futuro e os futuros da energia cabe um projeto complexo e extenso de cenários, como preliminar para a discussão de estratégias. Prometo rascunhar uma sugestão a respeito e, quem sabe, incluir interessados a se aventurarem nessa empreitada ambiciosa. Chamemos a esse esforço de “Projeto X”, que fica para depois.

Para os futuros do Pré-Sal e suas consequências para os futuros possíveis do Brasil, devemos considerar os cenários e possíveis conclusões do Projeto X, ao lado e simultaneamente com as perspectivas e incertezas específicas do  Brasil, do Pré-Sal brasileiro e de nossa economia. Tal é o tema deste projeto, “As Energias do Futuro e os Futuros do Pré-Sal”. Nele, levarei em consideração o que já aprendi a respeito das energias do futuro no mundo e as minhas conclusões, ainda que talvez provisórias.

Vamos resumir o que sabemos para intuir o que não sabemos


Parte I – Energia Renovável (ver postagem de Outubro de 2009), verificamos alguns pontos importantes:

(a)          Não existe segredo a respeito do que está sendo pesquisado e desenvolvido nos Estados Unidos e no mundo todo. O segredo reside nas soluções desenvolvidas em cada caso, mas os caminhos e os destinos prováveis estão definidos.

(b)         Enquanto associamos “energia renovável” ao etanol brasileiro, os pesquisadores e autoridades do resto do mundo pensam, de modo mais genérico, em biomassa: qualquer fonte de celulose.

O etanol de cana-de-açúcar está incluído como um dos métodos de produção mais eficientes nessa categoria geral, mas outras alternativas estão sendo buscadas.

(c)          Dentre as alternativas, estão os processos de produção a baixas, médias e altas temperaturas.

O etanol brasileiro é produzido a baixa temperatura e constitui uma tecnologia relativamente simples, barata e primária. Essa é a nossa vantagem.

Mas esse “know-how” não é patenteável e pode ser facilmente recomposto em outros países que venham a interessar-se.

A nossa propalada experiência no uso do etanol em motores de combustão interna, embora subsidiada há décadas pelo Governo brasileiro, pertence a multinacionais cujo poder de decisão encontra-se em Chicago, Detroit, Tóquio, Frankfurt, Munique, Londres, etc.

(d)         Para os americanos, não compensa apoiar o etanol de cana-de-açúcar brasileiro, uma vez que não eles não teriam controle sobre os insumos, o processo, patentes e domínio dos meios de produção.

O apoio do Governo americano ao etanol de milho e ameaças de sobretaxas sobre o etanol brasileiro é um gesto político simbólico de satisfação a certos lobbies internos e oferece poucas perspectivas realistas. Se realmente resolvessem adicionar meros 10% a toda a gasolina que consomem nos veículos, os produtores de milho não dariam conta do recado e as consequências seriam danosas para o mercado de alimentos.

(e)          A alternativa – trocar o metanol e o etanol americanos pelo brasileiro – é-lhes inaceitável. Se já estão machucados com a dependência frente aos árabes, eles nem querem pensar em depender de latinos e/ou brasileiros. Para esse tipo de energia, o ideal deles seria a produção de biocru, petróleo sintético, por meios sofisticados, “capital-intensive” e patenteáveis.

Se pressionados, acabam aceitando o nosso etanol em troca de garantias de maior apoio às leis de direitos autorais e patentes. Sairão ganhando quando acreditarmos que ganhamos.

(f)          Os Estados Unidos e muitos outros países já estão produzindo energias alternativas de modo prático, em caráter experimental, tanto para transporte, como para a rede elétrica.

As grandes empresas de petróleo e as montadoras de carros lideram essas pesquisas e já dispõem de uma gama de soluções alternativas ao petróleo fóssil. Não se trata apenas do biocru, mas também das baterias elétricas, das células a combustível, do gás natural, do hidrogênio, da energia atômica de quarta geração, etc.

A longo prazo, as tendências estão claras em suas linhas gerais nos esforços atualmente em curso. Elas apontam para futuros com predomínio de gás, em seguida do hidrogênio, e finalmente da energia atômica.

(g)         Existem muitos estudiosos que consideram que quase todas essas soluções não são nem limpas nem renováveis.

Para eles, renovável e limpa é apenas a energia gerada por forças naturais, como o vento (eólica), as correntes marítimas, as marés, as correntezas e quedas d’água, e a solar. Aqui as opiniões se dividem: Mark Jacobson e Mark Delucchi, por exemplo, afirmam que é possível suprir todas as necessidades de energia do mundo a partir de 2030 apenas usando as fontes eólicas, hidráulicas e solares (cf. Scientific American de Novembro de 2009).

Entretanto, a maior parte desses estudiosos divergentes reconhecem que as fontes limpas e renováveis deverão ter um papel cada vez mais importante, porém complementar ao petróleo, as gás, ao hidrogênio e à energia atômica.

(h)         A energia nuclear propriamente dita, com base na fusão e não na fissão atômica, poderia proporcionar a energia mais barata possível, quase de graça, e praticamente ilimitada.

Mas discute-se ainda se esse sonho é viável ou não, desde o ponto de vista tecnológico. Trata-se de um “coringa” no jogo: se alguém tiver uma idéia genial, amanhã mesmo, que resolva a questão, depois de amanhã o mundo será outro.

Mas isso pode acontecer amanhã ou daqui a vinte, cem, duzentos anos, ou nunca. Por enquanto, vamos desconsiderar essa incerteza, apenas para simplificar o processo – embora reconhecendo que, na metodologia de Cenários Prospectivos, nunca se deve desconsiderar coringas.

(i)           Em qualquer caso, existe algo que não é dúvida para ninguém: o carbono é o vilão. Se é que ele já não causou danos (talvez irreversíveis) ao planeta até ontem, amanhã causará. Com certeza.

Portanto, até as empresas de petróleo admitem que (1) é preciso restringir a emissão de carbono na atmosfera, (2) é preciso capturar e seqüestrar o carbono emitido, (3) é preciso desenvolver fontes alternativas de energia. Os anúncios institucionais dessas empresas e suas atividades de R&D demonstram isso. Só negam esses fatos alguns poucos lobistas pagos pelo Governo Saudita e por algumas empresas do ramo petroleiro.

(j)           Se a liberação de CO2 na atmosfera é o vilão reconhecido e se temos armas para enfrentá-lo, então por quê não se tomam providências mais concretas e imediatas?

A resposta é simples: o problema é econômico-financeiro e geo-político. As empresas com porte suficiente (capital), recursos (meios de produzir e distribuir o produto em larga escala) e tradição (know-how) no campo das energias não têm qualquer razão para precipitar um processo que acabará por sucatear todo o seu ativo atual, acumulado desde o nascimento da Era do Petróleo no Século XIX. E, para fazê-lo, teriam de imobilizar enormes somas de capital, como investimento de risco a longo prazo.

Afora as grandes empresas já interessadas no processo, restam os governos para fazer o que se sabe que deve ser feito. Mas hoje essa é uma idéia impensável: seria acusada de socialismo. Talvez o seja, ou venha a sê-lo.

Mas a idéia não é tão absurda assim, nem no âmbito do Capitalismo. Ela encontra precedentes históricos no nascedouro do Capitalismo Moderno. Foi o mercantilismo dos reis absolutistas que propiciou as grandes descobertas, as conquistas, o Renascimento, a Era Moderna. Foi o Governo americano quem financiou a criação da ARPANET, que cresceu para transformar-se na atual Internet. A corrida espacial que gerou a cobertura planetária por satélites de comunicação começou como uma iniciativa estatal e militar.

Esse seria um outro coringa. Eis aí um cenário que consiste só de dúvidas: o que poderia levar o mundo atual e a sociedade americana a aceitá-lo, se é que alguém se dispusesse a defendê-lo? Leve-se em conta que hoje não temos União Soviética nem desafio bipolar em geopolítica.


Parte II– As Energias do Futuro (ver postagem de Outubro de 2009), em que tentamos explicar o modelo teórico desenvolvido por T. Modis, baseado num sistema de equações logísticas.

Eu já tinha conhecimento dessa aplicação, mas foi a primeira vez que a vi estampada e confirmada pela análise das séries históricas das várias fontes de energia, desde o nascimento da civilização: a lenha, o carvão, o petróleo, o gás, o hidrogênio, as naturais renováveis e a energia nuclear.

A energia hidráulica ficou fora dessa análise de Modis porque ela não está disponível a quem quer que precise dela e pretenda adotá-la. Novamente aqui essa fonte de energia, relativamente limpa e tão importante na matriz energética brasileira, é um privilégio de poucas nações, das quais talvez o Brasil seja o maior privilegiado por Deus. Essa é uma vantagem nossa, a ser levada em consideração sob qualquer hipótese de futuros possíveis.

Mas o resultado da análise de Modis demonstrou algumas verdades e tendências:

(a)                    A sucessão de ciclos de fontes de energia não se opera por etapas estanques. As sociedades vão evoluindo de uma para outra em termos de suporte econômico e vantagens relativas – aos poucos. As transformações operadas podem acontecer, como realmente acontecem, sob a nossas vistas, antes de nos darmos conta delas.

(b)                    Assim é que, por exemplo, o ciclo da lenha como combustível foi superado há séculos – mas ainda existe consumo de lenha como combustível no mundo.

(c)                    Todo o progresso efetuado nesse campo pode ser visto como uma procura por fontes mais eficientes, ou sejam, aquelas que melhor aproveitam a combustão.

(d)                   Após milhares de anos de predominância da lenha como fonte de energia, vieram o carvão e depois o petróleo como fontes predominantes.

(e)                    O modelo indica uma decadência do petróleo a partir de agora. Não que ele vá perder toda a sua importância econômica, e nem que vá perder importância assim de repente. O seu consumo crescerá menos, até que eventualmente se estabilize como fonte de energia superada a longo prazo.
Mas, antes disso, o petróleo vai ter décadas de importância substancial.

(f)                     O próximo grande ciclo deverá ser o do hidrogênio, enquanto a energia atômica vai crescendo e deverá (pelo modelo teórico) superar as demais em importância.


Parte III: Aonde queremos chegar?

Se a metodologia de Cenários se justifica pela predominância de incertezas sobre as certezas, da complexidade e da concorrência de causas concomitantes de raízes diversas, então esta é uma ocasião de aplicá-lo. Mesmo as especulações de Modis são uma referência, mas não uma previsão científica provada.

Algumas coisas, entretanto, ficam demonstradas. Parece existir uma tendência à substituição das fontes de energia por outras mais eficazes, em que a razão molar C/H seja mínima – seja, em que a emissão de carbono seja minimizada (consumo mais eficiente de carboidratos) ou anulada (como no caso da energia atômica).

Existem caminhos já traçados nessa direção e soluções testadas e em desenvolvimento. O problema é político, econômico e financeiro, mas pode ser solucionado em prazos relativamente curtos (em termos históricos). As mudanças fundamentais da matriz energética mundial parecem inevitáveis.

A principal questão, então, que um exame dos futuros possíveis do Pré-Sal e do Brasil nesse contexto reduz-se, em última instância, a uma questão de horizontes temporais. Em quanto tempo lograremos explorar esse recurso, a que preço e em que contexto de consumo mundial? Conseguiremos explorá-lo à vontade ou seremos surpreendidos por essas mudanças da matriz energética?

Na próxima parte deste ensaio vamos tentar definir o campo de incertezas e escolher os seus eixos principais, para a elaboração de alguns poucos cenários tipificadores.



PMA-março 2009



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