quinta-feira, outubro 29

As Energias do Futuro e os Futuros da Energia (III): Incertezas e Tendências

Quando enveredei por este exercício de pesquisa e prospecção de futuros, pensei em produzir um material mais simples e breve. Mesmo assim, era-me patente que não seria possível resumir todos os dados numa única crônica ou pequeno ensaio. Resolvi dividir o trabalho em três:

 energias renováveis,

 as energias do futuro,

 os futuros do Pré-Sal.

O resultado foi mais pesado do que eu antevia. O Mário Castelar, sabiamente, me deu um puxão de orelha: elogiando o trabalho, disse que não devia ser tão extenso para publicação na internet. E ele tem razão.

Esta é a terceira parte, mas verifiquei que ela está ficando ainda mais longa do que as demais. Resolvi então subdividi-la, de modo que acabaremos com mais os seguintes capítulos para encerrar a matéria:

3. Incertezas e Tendências

4. Os Eixos de Incerteza

5. Cenário I: Brasil, uma potência energética

6. Cenário II: Brasil, uma potência econômica e industrial

7. Cenário III: A Doença Holandesa (ou ainda: Brasil, um nova Venezuela)

8. Cenário IV: Brasil, um gigante ainda adormecido


Por quê Cenários e “Futuros”, no plural?

Quando pensamos no futuro do petróleo do Pré-Sal brasileiro estamos preocupados não apenas com o petróleo em si, mas com o futuro do País – que, diz-se, pode ser tremendamente impactado pela descoberta dessas jazidas.

Uma das premissas da metodologia de Cenários é que, a longo prazo, é impossível prever o futuro. Ignoramos o que pode acontecer até lá. Qualquer projeção a partir da situação atual pode revelar-se fútil, pela interveniência de fatores imprevistos e pelas mudanças da situação. Falamos, então, de futuros alternativos – assim no plural – cuja utilidade é nos facilitar a busca de estratégias que, se adotadas hoje, poderão nos beneficiar e proteger, sob várias hipóteses alternativas.

O importante, portanto, é saber se os nossos cenários cobrem razoavelmente bem as alternativas conflitantes de dúvidas e incertezas, e não se algum deles é mais provável do que os outros. Deixamos de lado o desejo de acertar e de antever futuros desejáveis e indesejáveis, prováveis e improváveis. Quase certamente nenhum cenário se realizará como descrito hoje; mas, no seu conjunto, eles nos auxiliarão a preparar-nos e a treinarmos para um futuro, imprevisível, que teremos de viver.

E dúvidas, dados, informações ou hipóteses não nos faltam, como vimos nas duas primeiras partes deste trabalho.


Incertezas e tendências

O exame que fizemos dos rumos possíveis das energias renováveis (parte I) e das alternativas de geração de energia que se desenham hoje (parte II) levanta várias incertezas com relação ao futuro mais distante – digamos, daqui a dez, quinze ou vinte anos, para não se falar em futuros ainda mais longínquos.

O Pré-Sal. Embora hoje a discussão sobre a divisão da receita proporcionada pelo Pré-Sal seja acirrada e constitua o assunto que mais preocupa os políticos e a mídia, ainda não sabemos a real dimensão dessa jazida e das receitas advenientes. De qualquer modo, parecem ser “grandes”, o que quer que isso seja. E a qualidade do óleo é boa, o que facilita a sua extração (uma vez alcançada a jazida, é claro).

Energias renováveis. A confiança no futuro das energias renováveis não é justificada. Muito se pode dizer em favor delas e seguramente elas podem se expandir, mas é duvidoso que venham a ser uma alternativa ao petróleo. E também existem dúvidas sobre (a) a sua possível desvantagem em termos ecológicos e ambientais e (b) se continuarão a ser uma alternativa, ainda que secundária, num prazo mais longo.

As reservas de petróleo no mundo. O fim da era do petróleo deverá ocorrer em função da viabilização econômica de fontes mais eficientes e rentáveis de energia, não pelo esgotamento das jazidas. O tamanho das jazidas provadas (óleo disponível para extração) depende do preço do petróleo e das tecnologias desenvolvidas para a sua extração, mais do que do tamanho das jazidas em si. De acordo com Leonardo Maugeri, Senior Executive da Eni, a companhia de petróleo italiana, as jazidas conhecidas atualmente serão suficientes para abastecer o mundo até o fim deste século XXI (“The Age of Oil: The Mythology, History and Future of the World’s Most Controversial Resource”, Paeger, 2006).

Preços do petróleo e viabilização de alternativas. Nenhuma das técnicas mais desenvolvidas de extração é particularmente barata. Em geral, algumas delas só começam a ser viáveis na medida em que o preço do barril permanecer acima de US$ 30.00; e as técnicas que dependem de reações químicas só se viabilizam acima de US$ 50.00 o barril. Maugeri considera que os preços atuais deveriam idealmente oscilar entre US$ 60.00 e US$ 70.00 o barril. Acima de US$ 70.00 vários métodos ineficientes de produção de óleo se tornam rentáveis – como seria o caso do etanol de milho. Se isto ocorrer, uma corrida ao milho nos Estados Unidos poderia subverter completamente a exploração da terra e os preços dos alimentos. Se os preços do petróleo oscilarem abaixo de US$ 50.00, ou mesmo US$ 60.00, os projetos de energia renovável e a preocupação com o meio ambiente podem ser abandonados.

O limiar de viabilização do Pré-Sal. No momento em que escrevo este artigo o preço do barril de óleo tipo Brent está pouco acima de US$ 72.00. A desvalorização do dólar tem também um efeito nisso. Embora o preço do barril aumente em dólares nominais com a inflação, devem aumentar também os limiares de viabilidades das várias tecnologias.

Não sei qual o limite abaixo do qual o petróleo do Pré-Sal se torna economicamente viável, mas já ouvi referências a US$ 60.00. Também não sei exatamente o preço mínimo compensador do etanol de cana. Historicamente, o Governo brasileiro tem balanceado os preços de gasolina e do etanol para manter este último viável.

Hidrogênio e carbono. A eficiência do combustível pode ser medida pela razão molar entre o hidrogênio e o carbono emitidos no seu uso. Sob esse aspecto, existem os que sustentam que o etanol constitui um passo atrás e que o futuro a médio prazo será favorável ao gás natural. A mais longo prazo, pela eventual utilização do hidrogênio, se e quando as pesquisas atuais fizerem-no economicamente viável, as atuais alternativas serão obsoletas.

A liberação de carbono e o aquecimento global. O uso do petróleo está em decadência, mas é uma queda paulatina. Com ele, deverá aos poucos cair também o volume de carbono liberado pela combustão. Em dez a quinze anos é possível que o gás natural se torne a fonte principal de energia no mundo, secundado pela energia atômica, que se prepara para um retorno com técnicas aprimoradas. Num prazo ainda imprevisível, a energia nuclear poderá tornar todas as demais fontes de energia ultrapassadas (as apostas no momento são para 2030, mas isso pode ocorrer amanhã daqui a 50 anos ou nunca).

Barreiras políticas. Os limites para a exploração econômica do etanol são também válidos para a utilização de outros componentes da bio-massa (celulose em geral, incluindo dejetos, aparas, lixo, palha, grama, qualquer madeira, etc.). Se é verdade que os Estados Unidos têm peso para direcionar os caminhos do futuro, então é provável que, por razões geo-políticas e econômicas, o etanol brasileiro não venha a ir muito além de aonde já chegou.

Os interesses econômicos do Capitalismo Financeiro. De imediato, sabemos que os interesses do Capital são no sentido de explorar ao máximo o que a economia do petróleo ainda pode dar. Já existem alternativas mais eficientes e baratas, cuja implantação demanda investimentos mais ou menos vultosos. Ora, por quê imobilizar esse capital antes de isso tornar-se absolutamente necessário, por pressão do mercado e dos governos? Ou seja, embora já seja possível adotar combustíveis mais eficientes e menos poluidores do que os derivados de petróleo (gasolina, querosene, etc.), isso ainda levará algum tempo para acontecer.

Horizontes temporais: a essência das incertezas do futuro. A coincidência no tempo de várias dessas incertezas pode ditar o sucesso ou o fracasso das esperanças depositadas no Pré-Sal e no futuro do País.

Por exemplo, se alguma fonte mais eficiente (gás natural?) for adotada pela indústria automobilística como novo padrão mundial, antes de conseguirmos extrair o petróleo do Pré-Sal, então o potencial econômico deste fica bastante prejudicado. Ou se alguma das pesquisas ora em curso nos Estados Unidos, visando a produzir biocru a preços inferiores a US$ 30.00 por barril, der resultados positivos, a pergunta que se põe é: a sua adoção ocorrerá antes ou depois de termos começado a explorar as nossas jazidas de Pré-Sal?

Este último ponto é essencial. A definição de horizontes temporais vai influenciar os cenários de futuros possíveis. Para isso, vamos convencionar o horizonte de 10 a 20 anos como referência.

Até lá, é provável que ainda não tenhamos energia nuclear, mas a atômica estará em expansão. O gás natural, idem. O petróleo estará em queda, mas ainda presente e com um peso considerável. A energia renovável – e especialmente o etanol – estará estagnada ou em decadência.

(esta matéria foi publicada no jornal eletrônico Correio da Cidadania, http://correiocidadania.com.br/conten/view/3900/9/)

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